sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

MACHADO DE ASSIS NA RÚSSIA


MACHADO DE ASSIS NA RÚSSIA

Aos bons cuidados de Vadim Kopyl, director do Centro Lusófono Camões, da Universidade de São-Petersburgo, foi publicado na Rússia, em São Petersburgo, um livro com 12 contos de Machado de Assis em edição bilíngüe – português e russo.
Os 12 tradutores têm variados nomes. Acompanhei desde o início o lançamento e a linguagem dos referidos textos. São os seguintes os contos: O espelho, A sereníssima República, A Igreja do Diabo, A senhora do Galvão, Uma senhora, Dona Paula, Uns braços, O enfermeiro, Entre santos, A causa secreta, O caso da vara, Um apólogo.
Sem dúvida, é boa a escolha dos contos, que provocam a sensação dada pelo jeito de um sorriso amarelo, o que então confrange a alma do leitor diante de uma linguagem tão expressiva e com graça, ao mesmo tempo sóbria e severa. A escolha leva em conta o fogo do desejo de leitura pelo público russo da classe média e da dos trabalhadores.
É evidente que grandes autores franceses como Zola ou Proust são conhecidíssimos em todo o mundo. Por outro lado, assinale-se a diferença sensível entre esses textos franceses já traduzidos para o russo e o texto de um escritor totalmente desconhecido – digamos assim.
Se alguém tomar o elevador num hotel moscovita, ao sair para o corredor de acesso aos aposentos dos hóspedes logo deparauma senhora, em geral madura, aspecto matronal, com trajes especiais de hotelaria ou seu traje comum de sempre, a guardar as chaves do quarto quando o hóspede se ausenta de seus cômodos, e é mergulhado em literatura de ficção, russa e/ ou internacional. É da tradição russa essa instituição da senhora que provê a guarda e imunidade do compartimento de hotel. Encomendas, correio e outras coisas entregues na portaria do hotel são repassadas para a guarda administradora do andar, que confraterniza e estabelece simpática camaradagem com o hóspede e está sempre a ler livros – romances.
Adelto Gonçalves é doutor em literatura portuguesa pela Universidade de São Paulo. Em Portugal, apresentou dois livros fundamentais de sua autoria que o consagram como grande mestre de literatura portuguesa e brasileira, sobre Bocage e Gonzaga.
Note-se que Adelto Gonçalves é brasileiro, escreveu em Santos obras monumentais. Estabeleceu uma verdadeira ponte de compreensão e ligação entre Brasil e Portugal, no campo da literatura luso-brasileira. Adverte que os contos de Machado de Assis, logicamente, devem ser lidos e entendidos no contexto da época em que foram escritos, e pouco dizem da sociedade moderna, na qual o Brasil entrou em grande fase de progresso, em todos os seus campos. A alma humana, está lá no seu lugar, firme e inabalável.
Machado de Assis foi um autêntico e pertinaz estudioso, perfeccionista mesmo, na arte de esmiuçar a alma humana, colocando para fora aquilo que o homem sempre quis esconder. O que eu chamaria de transpiração ou suor da alma humana, em suas múltiplas temperaturas. Um grande escritor – simples e profundo, com excelente redação e apresentação – tem um campo ilimitado na escolha de seus temas e de seus personagens.
Sempre acreditei em Adelto Gonçalves desde a sua primeira visita a Lisboa nos anos 80. Tímido e falando uma linguagem comum, mas completamente correcta na forma e apresentação de seus textos. Sua história impressionou os portugueses, seu interesse profundo no conhecimento e esclarecimento do grande processo literário luso-brasileiro original.
Esboçando a vida e o carácter humano até às últimas conseqüências, Adelto Gonçalves é um homem sério, apesar de sua leveza aparente e da simplicidade no trato com ele. Machado de Assis é por ele conhecido como o autor dos estudos da alma humana. Seu livro mais famoso, Dom Casmurro, tem como preocupação central a instabilidade emocional da mulher que a levaria a cometer adultério. Machado de Assis, assinala Adelto Gonçalves, escreveu um conto que interpreta como uma chave que abre um cofre, e que se chama D. Paula.
Em Dom Casmurro, a preocupação disfarçada do autor não é discutir o adultério, mas os efeitos que esse deslize na visão da sociedade causa dentro da alma mesmo do personagem. Acho que o prefácio de Adelto Gonçalves enriquece muito o livro e certamente será bem apreciado pelo público russo, ávido de leitura das almas formadas em outras sociedades e outros países.
E como não houve ainda crítica literária sobre Machado de Assis, um desconhecido naquele imenso país, certamente esse leitor de grande país do Norte que é a Rússia, muito pode aproveitar do prazer da leitura do Machado e das explicações e orientações no entendê-lo como o maior contista da língua portuguesa e grande prosador de nosso idioma, afinal o quinto idioma mais falado do mundo no quinto maior país em população. O Brasil e Portugal têm a ganhar com essa tradução de Contos de Machado de Assis para o russo.


Dário Moreira de Castro Alves

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Homenagem da Embaixada de Portugal em Brasília

Dario Castro Alves
ao lado do embaixador de Portugal no Brasil, Francisco Seixas da Costa
(Foto: Divulgação)
Brasília. O embaixador Dário Castro Alves foi homenageado pelos serviços prestados à diplomacia do país. A iniciativa foi do embaixador de Portugal no Brasil, Francisco Seixas da Costa, a que se associou o Instituto Rio Branco. A homenagem ocorreu na sede da Embaixada de Portugal em Brasília.


Dário Castro Alves veio de Fortaleza especialmente para a homenagem que teve as presenças dos embaixadores Paes de Andrade, Paulo Tarso Flecha de Lima, Synésio Sampaio de Goes Filho, Gonçalo de Mello Mourão, Jerônimo Moscardo de Souza, José Marcos Vinícius de Souza, Pedro Paulo Pinto de Assunção, Fernando Reis, o cônsul honorário de Portugal em Fortaleza, Francisco Brandão, e alunos do Instituto Rio Branco.


A solenidade foi aberta com apresentação de uma fotobiografia do homenageado, mostrando sua trajetória de menino em Fortaleza, estudante no Rio de Janeiro, diplomata em Buenos Aires, Nova Iorque, Moscou, Roma, Lisboa, Washington, Porto. Suas condecorações do Japão, Nicarágua, Guatemala, Peru, Bolívia, Equador, França, Portugal, medalhas, diplomas, fotos, moedas, placas, bandejas, livros.


Foi distribuído um livro com sua história, cargos, postos, participação, títulos especiais, atividades diversas, discursos e conferencias, e artigos publicados. Suas andanças no roteiro de Eça de Queiros, sua acolhida a brasileiros que estiveram em Lisboa, como Jorge Amado.


Gonçalo de Mello Mourão traçou um perfil profissional de Dario, lembrou a sentença de Paes de Andrade de que ´o Brasil é grande, mas o Ceará é maior´, justificou a razão de sua homenagem por ser Dário o mais antigo embaixador cearense e ele o mais recente. Recordou que Dario marcou sua passagem pelo Itamaraty pelo zelo profissional, lealdade e dignidade.


Por onde passou comparecia a eventos e sempre trazia no bolso um discurso para qualquer eventualidade. Lembrou tendo começado a trabalhar com ele no Itamaraty, passou muitos anos distante e se surpreendeu ao ler sua bibliografia, pela variedade de temas de que se ocupou.


Synesio Sampaio de Goes Filho, que também serviu em Lisboa, assinalou a paixão de Dario pela gastronomia de Eça de Queiros, pelos bons vinhos e restaurantes de Lisboa e do Porto. Paulo Tarso Flecha de Lima saudou o amigo de 50 anos, que conheceu em Buenos Aires, nos anos 50. ´Foi meu chefe e sua marca era a lealdade a Gibson e ao Silveira, Dario é conservador e modernista. Conservador porque datilografava seus textos numa Underwood , mas foi dos primeiros a usar a internet, no Brasil. ´Dario cultiva o Ceará com grande amor e carinho , o que é um sentimento generoso´.
Dário Moreira de Castro Alves nasceu em Fortaleza, no Ceará, em 1927. Na embaixada, foi apresentada uma exposição das obras literárias da sua autoria: ´Era Lisboa e Chovia´, ´Era Tormes e Amanhecia´ e ´Era Porto e Entardecia´, sobre a obra de Eça de Queirós, e ´Luso-Brasilidades´. É presidente do Conselho de Curadores da Fundação Luso-Brasileira para o Desenvolvimento do Mundo de Língua Portuguesa.
WILSON IBIAPINA

DA RÚSSIA , José Milhazes



"A obra "Eugénio Oneguin" é um romance de amor em versos, constituindo um dos cumes mais altos da Literatura Russa.
Talvez muitos dos meus leitores tenham ouvido ou assistido no teatro à ópera "Eugénio Oneguin", do genial compositor russo Piotr Tchainkovski, e, agora, poderão ler a obra que deu origem a essa obra-prima da música clássica.
Para quem não consegue ler o livro em russo, aconselho esta tradução, tanto mais que o Embaixador Dário Moreira de Castro Alves ousou verter, e acho que com êxito, da língua de Pushkin.
Deixo aqui os dados editoriais do livro para que os leitores que desejarem, o puderem adquir.


Alexandr Pushkin. "Eugénio Oneguin".
Tradução do russo para o português por Dário Moreira de Castro Alves.
Moscou, Grupo Editorial "Azbooka-Atticus", 2008."

José Milhazes - Da Rússia

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Entrevista de Dário Moreira Castro Alves a Dra. Ângela Barros Leal Farias:

O que o motivou a realizar esse trabalho de tradução para o português da obra Eugênio Onegin, de Pushkin?
Na minha formação pesa um certo substrato de cultura russa, que se acentuou com minha permanência na Embaixada brasileira em Moscou, de 1962 a 1965. Era então minha mulher Dinah Silveira de Queiroz, escritora profissional, que mantinha um amplo relacionamento com escritores e artistas soviéticos de então. Ela achou que eu devia aprofundar minha sensibilidade pela vida e literatura da Rússia, procurando conhecer melhor as expressões literárias russas.

E porque Pushkin?
Porque notávamos que era um escritor clássico, que todos, sem exceção, todos na Rússia veneram, conhecem e sabem algo dele, exaltam sua personalidade. A presença de Pushkin na formação cultural do povo russo é ainda maior que Shakespeare na Inglaterra, ou que Camões em Portugal.

E porque Eugênio Onegin?
Essa é uma obra sem igual. Um personagem literário de fortíssima presença, tanto no povo de sua época como na posteridade. Tem um lugar cimeiro na minha cultura pessoal, é a obra mais conhecida de Pushkin e ainda não havia recebido uma tradução em português, embora houvesse em dezenas de outras línguas. Fixou-se em mim a idéia “pushkiniana” ainda na década dos 60. Dinah insistia muito para que eu me convertesse num escritor, ao que eu reagia dizendo ser, antes de tudo e sobretudo, um funcionário diplomático. Quando Dinah, gravemente doente, se preparava já para deixar esse mundo, comecei a aplicar suas idéias e seus pensamentos, e comecei a me preparar para escrever. Minha segunda mulher, Rina, foi também de imensa ajuda no meu esforço de me tornar um homem de letras, um escritor.

Pushkin é sua estréia na área literária?
Não. Minha estréia se deve a Eça de Queiroz. Notava eu que muitos e muitos brasileiros que passavam por Lisboa, onde eu servia como Embaixador, sabendo que eu tinha interesses em Eça de Queiroz me vinham perguntar onde se deram tais e tais cenas, presentes nos grandes romances de Eça – Os Maias, O Primo Basílio, A tragédia da Rua das Flores, A Capital e outros. Perguntavam tudo, minuciosamente. Dinah então me assinalou que seria um tema interessante, considerando que Eça era uma personalidade viva na sensibilidade brasileira. Eça era Lisboa, e ninguém a decantou mais fortemente como escritor do que ele. Além do mais havia o lado propriamente brasileiro. O Brasil estava atrás de toda a vida lisboeta. Raspando-se um pouco as velhas paredes de Lisboa, se dá no Brasil. Isso é um fato.

O senhor escreveu então uma trilogia?
O primeiro foi Era Lisboa e chovia, um roteiro cultural, histórico, literário e sentimental construído a partir da obra de Eça de Queiroz. Modéstia à parte, trata-se de um livro não superado quanto ao tema. A longínqua explicação para o título vem de Alfredo Valadão, eciano fanático, que adorava explicar o sentido profundo, profundíssimo, de porque Eça escolhera falar de Lisboa. E naquele trecho de A capital, em que o grande autor registra a fase altamente irônica de que “era Lisboa e chovia”, queria dizer o seguinte: Fradique vinha de Paris, granfinérrima cidade das luzes, e chegava à suja estação de Santa Apolônia, em Lisboa, em lúgubre madrugada. Surge então a frase que ficou famosa, em que dizia “além de ser Lisboa, ainda chovia”. Era, pois, o fim...

E os outros dois volumes?
Era Porto e entardecia, listando todas as bebidas mencionadas por Eça, do absinto à zurrapa. E por fim Era Tormes e amanhecia, um completo dicionário gastronômico cultural, com o nascimento literário de Eça de Queiroz na região do D´Ouro.

E de Eça a Pushkin...
Exatamente. O amor pelos melhores padrões de escritores fez essa transição. Pushkin era o maior na literatura russa, como, em outros planos, era o maior da escritura portuguesa o nosso Eça.

Quais as dificuldades na tradução desse romance em verso?
Enormes. A intimidade com certas frases, certos conceitos, me escapava. Mas pedi socorro a grandes amigos russos, cultores de Pushkin, sobre o significado de determinadas expressões, a essência das palavras. Alguns consultores foram, em primeiríssimo lugar, Olga Ovtcharenko, do Instituto Gorki, e Marina Kosarik, da cátedra Camões na Universidade Lomonosov, de Moscou, além de tantos outros. Bons dicionários e boas combinações de instrumentos de pesquisa também colaboraram. Pelejei muito, mas acho que consegui algo, graças também aos três anos que passei em Moscou, que me trouxeram o interesse vivo em temas como a descrição da natureza física, abundante em Pushkin, a complexidade da alma russa, o estilo de vida do povo russo. Dinah dizia sempre que os regimes ficavam “na periferia do ser humano”. Todas as reações e maneira de ser do cidadão russo que conhecemos estavam, por exemplo, em Tchekov. Pouco importava se esse russo era do fim do século XIX ou se era russo dos tempos da administração por regime comunista.

Quanto tempo o senhor ocupou nesse trabalho?
Levei nove anos. Não posso dizer que todos maciçamente dedicados a Pushkin, mas era uma preocupação constante, um quase pesadelo. Para os travesseiros levava sempre notinhas, para fechar as rimas que faltavam. Com o tempo fui “matando” alguns truques e mistérios na produção, que é mais viável do que se pensa, mas com muito afinco, trabalho e consciência.

Qual sua expectativa para o livro?
O brasileiro do trópico entenderá perfeitamente o Pushkin de Onegin. Não tenho dúvidas disso. Os estudiosos e interessados na cultura russa, no Brasil, vão conhecer uma Rússia cheia de complexidade. Em muitas cenas os personagens vão e voltam, empacam, seguem à frente, raciocina, deixam um rastro de inquietação e indefinições. Por exemplo, as inquietações existenciais sentidas por Onegin após matar em duelo o amigo Vladimir Lenski, seu então futuro cunhado. Uma curiosidade: a morte de Lenski como que antecipa o verdadeiro duelo mortal contra D´Antès, no qual Pushkin iria perder a própria vida.

O VINHO DO PORTO NA OBRA DE EÇA DE QUEIRÓS

Dário Moreira de Castro Alves, reuniu no livro “O Vinho do Porto na Obra de Eça de Queiroz”, tudo o que o escritor diz sobre o vinho fino do Douro.
Neste trabalho de pesquisa meticulosa, Dário Moreira de Castro Alves conduz-nos à região do Douro que o génio de Eça de Queiroz recriou no espaço mágico de Tormes: o rio e toda a vasta zona, que abrange a sua história e geografia, a cultura dos povos e lugares por onde passa, os seus recursos e potencialidades, o quotidiano das gentes que dele vivem.
Retrato vivo do país vinhateiro este líquido, e generoso, agarrado aos socalcos onde a cepa come pedra e bebe sol, ganhou há séculos, prestígio nacional e internacional.
Características:
Editor: Colares Editora
Autor: Dário Moreira de Castro Alves
Formato: 22,5X15,5cm, 44 p.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

EÇA DE QUEIROZ SEMPRE

EÇA DE QUEIROZ, SEMPRE

Dário Moreira de Castro Alves (*)

Desde de 1911, data da primeiríssima biografia de Eça de Queiroz, escrita por um brasileiro, não se tem cessado de escrever sobre o grande romancista português, o auto-denominado “pobre homem da Póvoa de Varzim”, que é Eça de Queiroz.
Diz o arquitecto Alfredo Campos Matos que para não poucos é o maior dos queirozianos de sempre, que as celebrações do centenário da morte de Eça de Queiroz, em agosto de 2000, gerou uma profusão de colóquios, exposições, estudos e edições da sua obra, à semelhança do que acontecera em 1945, por altura da evocação do centenário do nascimento. Acaba ele de lançar em Lisboa, ao público português, um livro em que, em apenas pouco mais de uma centena de páginas, faz um resumo crítico de sete biografias de Eça de Queiroz. O Brasil foi pioneiro nos estudos queirozianos, pois Miguel Melo, natural de Porto Alegre, onde nasceu em 1877, publicou a primeira biografia de Eça de Queiroz em 1911, época em que grande parte da obra queiroziana era ainda desconhecida por não impressa. Era o caso de Últimas Páginas, Correspondência, Alves & Cª, O Conde de Abranhos, A Catástrofe, A Capital, O Egipto, Cartas Inéditas de Fradique Mendes, Mais Páginas Esquecidas, e outras. Parece incrível que uma obra da importância de A Capital tenha ficado inédita 47 anos pois, escrita em 1878, somente veio à luz em 1925. Miguel Melo considerou O Primo Basílio o trabalho mais “perfeito e inatacável”, de uma “lógica sem defeito”, não fazendo menção às fortes críticas formuladas por Machado de Assis a Eça de Queiroz àquele romance.
Também é exaltado O Crime do Padre Amaro por apresentar uma “unidade superior”. A Ilustre Casa de Ramires é um símbolo da verdade histórica explicitamente criticada que, dizia Melo, era a “decadência geral portuguesa”. Quanto a contos, o autor alista como exemplos incomparáveis na língua portuguesa O Defunto, José Matias, A Perfeição. Ao estudo biográfico propriamente dito, é de importância especial a carta a Miguel Melo do filho de Eça de Queiroz, José Maria, que nos seus 22 anos responde às questões que, em correspondência, Miguel Melo, que nunca esteve em Portugal, então lhe apresentara. Esse documento é das primeiras provas testemunhais sobre Eça publicadas por um familiar depois da sua morte. Entre as revelações está a de que José Maria se espantara quando ao chegar a Portugal, depois da morte do pai em 1900, ouvia por toda parte louvor ao seu talento. Não sabia da fama do pai.
Somente cinco anos depois que Miguel Melo pioneiramente publicou sua biografia de Eça é que surgiu a primeira biografia queiroziana por um português, o Conselheiro António Cabral. Por aquela época, 1916, muita coisa continuava a ser ainda ignorada sobre a vida do escritor. Recolheu testemunhas valiosas e não poucas cartas inéditas de Eça a figuras como o conde de Arnoso, o visconde de Pindela, o conde de Sabugosa, Oliveira Martins e também Eugénio de Castro e António Enes. A biografia de António Cabral foi a primeira a carrear uma vasta matéria informativa, como é o caso do “nascimento ilegítimo” do escritor e da discussão entre Póvoa do Varzim e Vila do Conde acerca do local do seu nascimento.
A primeira edição da biografia escrita por Viana Moog, intitulada Eça e o Século XIX, é datada de 1938, 22 anos depois da obra de António Cabral. Sem dúvida essa biografia insere Eça e sua obra no grande painel de todo o século XIX. O romancista Viana Moog sempre “sofreu” grande apego pela figura de Eça de Queiroz, apego que se constituía numa obsessão, um “fantasma de cabeceira”. O escrever aquela obra foi como que uma forma de “desembuchar” algo que estava em suas entranhas. Viana Moog fez, ainda que breves, incursões freudianas, em função do que define como a “bastardia” de Eça. Nessas incursões, Moog se pergunta se “a sua alarmante antipatia contra todas as mulheres não seria uma consequência do sentimento de revolta contra a mulher que o gerou”.
A grande obra de João Gaspar Simões, intitulada inicialmente “Eça de Queiroz – O Homem e o Artista”, “monumental” no dizer de Campos Matos, foi escrita para o centenário do nascimento do romancista, em 1945, com edições revistas em 1972 e, depois, em 1980, então com o título Vida e Obra de Eça de Queiroz. Campos Matos diz que esse livro é uma “referência inevitável”, não obstante o que contém de controverso. Considera ainda que Gaspar Simões abusa de apressadas conclusões de teor freudiano.
Luís Viana Filho editou pela primeira vez A Vida de Eça de Queiroz, no Porto, pela Lello, em 1983, e no Brasil, em 1984. Escreveu Viana Filho como um verdadeiro profissional de biografias que é. Fundamentalmente é um biógrafo–historiador que se lançou à vasta tarefa de produzir uma biografia de Eça que prima no género pela maestria com que compõe sua trajectória essencial.
José Calvet Magalhães, diplomata português aposentado, brilhante escritor de temas históricos e literários, editou, em 1994, biografia de Eça intitulada José Maria, a vida privada de um grande escritor, já em sua quarta edição. É leitura amena, “razoavelmente cordata”. Insiste Campos Matos em louvar nessa biografia o sentimento ameno de sua leitura. O autor das sete biografias contesta certas afirmações do Embaixador Calvet em vários pontos. A aceitação da obra pelo público é um facto que se considera muito relevante. A última biografia apresentada por Campos Matos foi lançada com êxito em 2001 pela historiadora, periodista e investigadora que é Maria Filomena Mónica. A obra, tão recente, já está em quarta edição, o que denota também sem dúvida, grande aceitação pelo público. Campos Matos diz que tirou proveito da leitura dessa biografia, em parte como resultado da turbulência que provocam certos de seus textos controversos.
Todas as biografias referidas, diz Campos Matos, são projectos audaciosos que contribuíram, cada uma delas à sua maneira, para prolongar a memória de um dos mais biografados escritores da língua portuguesa.



(*) Sócio brasileiro da Academia das Ciências de Lisboa

PRÊMIO DÁRIO CASTRO ALVES

Instituido pela Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira (CCILB).
O prémio foi atribuído pela primeira vez em Abril de 2004, aquando da homenagem a Paula Ribeiro, fundadora e directora do jornal “Correio do Brasil”, em 2005 a Luiz Felipe Scolari, seleccionador nacional, em 2006 a Mário Soares, presidente da Fundação Mário Soares e antigo Presidente da República de Portugal e em 2007 a Roberto Medina.